ANAIS PORTUGUESES DE SAÚDE MENTAL
Os ANAIS PORTUGUESES DA SAÚDE MENTAL são o orgão oficial da SPESM. Desde a formação da sociedade, existem 11 publicações desta REVISTA (em suporte papel cerca de 3500 páginas)
.....................................
Ano 1985 (1º número)
ANAIS PORTUGUESES DE DE SAÚDE MENTAL
São finalidades e objectivos da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental: todas as acções e realizações que visam o estudo, pesquisa e investigação sobre temas e problemas relativos à Saúde Mental. (Artigo 2.° dos Estatutos)
Os Anais Portugueses de Saúde Mental são o órgão oficial da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental e tem como órgãos próprios o Conselho Científico, o Conselho de Redacção e o Secretariado de Redacção. (Artigo 15.° dos Estatutos)
Distribuição gratuita aos sócios da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental.
Este primeiro número é publicado com o apoio da Associação de Saúde Mental Doutor Fernando Ilharco.
SOCIEDADE PORTUGUESA PARA O ESTUDO DA SAÚDE MENTAL
CORPOS GERENTES NO TRIÉNIO 1984-87
MESA DA ASSEMBLEIA GERAL
Presidente: Professor Doutor José Luís Simões da Fonseca
1.° Secretário: Dr. José Ruivo Siborro Maio
2." Secretário: Dr." Maria Clementina Mota Dinis
DIRECÇÃO
Dr. Bráulio de Almeida e Sousa
Dr. António José Melich Cerveira
Dr. Fernando Vasco da Silva Morgues
Dr. João António Soares Frois
Dr." Maria Julieta de Oliveira Rego Sendas Parreira
Enfermeiro Henrique das Neves Duarte
Dr." Maria Luísa Fontes Chaves de Magalhães
CONSELHO FISCAL
Presidente: Dr. António Esteves
1.° Vogal: Dr. Manuel Ventura Carlos dos Santos Adrega
2.° Vogal: Dr. Luís António Lança Varela Ptmentel
ANAIS PORTUGUESES DE SAÚDE MENTAL
Edição da Direcção da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental
CONSELHO CIENTÍFICO (em constituição)
ANTÓNIO BARBOSA, ANTÓNIO ESTEVES, ANTÓNIO PACHECO PALHA,
ARNALDO DROUX, EMANUEL PONCIANO, F. ALLEN GOMES, F. MEDEIROS PAIVA, F. TOSQUELLES (França), J. SAMPAIO FARIA, J. SIMÕES DA FONSECA,
MARGARIDA MENDO e RUI MOTA CARDOSO
Regulamento dos Anais Portugueses de Saúde Mental n." 4.2; § 2 — «O Conselho Científico é presidido pelo Presidente da Assembleia Geral da S.P.E.S.M.».
CONSELHO DE REDACÇÃO
ANTÓNIO MELICH CERVEIRA, ANTÓNIO LUZ, BRÁULIO A. SOUSA, DUARTE OSÓRIO, HENRIQUE DUARTE, FERNANDO AREAL, FERNANDO VASCO MARQUES, JOÃO FRÓIS, JOSÉ C. BARRIAS, MARIA JUL1ETA SENDAS, MARIA LUÍSA MAGALHÃES
SECRETARIADO DE REDACÇÃO
(a designar)
Disposição Transitória do Regulamento dos Anais Portugueses de Saúde Mental: «Pela publicação do 1." número dos Anais relativos a 1985 será a actual Direcção da S.P.E.S.M. responsável, distribuindo entre os seus membros as tarefas e responsabilidades a isso necessárias.»
— Os artigos publicados são da inteira responsabilidade dos seus autores.
— Nenhum artigo ou resumo de artigo publicado nos Anais Portugueses de Saúde Mentalpoderá ser reproduzido, qualquer que seja o processo, sem autorização expressa dos autorese do editor.
ÍNDICE
EDITORIAL
SERVIÇOS DE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE E SERVIÇOS DIFERENCIADOS DE PSIQUIATRIA NA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL
Sobre a Articulação Comunitária dos Serviços de Cuidados Diferenciados de Psiquiatria
com os Serviços de Cuidados Primários de Saúde
Bráulio de Almeida e Sousa
Quelle Psychiatrie pour Aujourd'hui — à propôs d'une expèrience française de psychiatrie de secteur
Alain Castera, Michel Minard
Serviços de Cuidados de Saúde Primários e Serviços Diferenciados de, Psiquiatria no Estudo e Prevenção do Alcoolismo — Informação sobre uma experiência concreta no Concelho de Grândola
Bráulio de Almeida e Sousa, Fernando Vasco Marques, Cristina Patronilho, Maria Luísa Magalhães
SOBRE PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL
Notice sur lê Mouvement de Psychothérapie Institutionnelle
Bráulio de Almeida e Sousa, François Tosquelles
Experiências Relacionadas con Ia Psicoterapia Institucional, en Ia Província de Tarragona (Catalufta — Espanha)
António Labad Alquezar, José Garcia Ibanez
Psychopathologie de l`Adolescence et Psychothérapie Institutionnelle
Claude Cappadoro
SOCIO-ECOLOGIA E SAÚDE MENTAL
Depressão e Ansiedade na População Activa em Situação de Insegurança de Emprego e de Não Recebimento de Salários
Bráulio de Almeida e Sousa, M. Valente Fernandes, Maria Luísa Magalhães
TEMAS PSIQUIÁTRICOS
A Propôs de Ia Dispersion Chaotique de Ia Demande ou Lê Bal Masque en Medecine Générale
Claude Cappadoro
Manual do "Leeds Psychomotor Test" (versão portuguesa)
San Hindmarch, Emanuel Ponciano, Margarida Barreto
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA E SAÚDE MENTAL EM PORTUGAL
Rumos da Psiquiatria Portuguesa nos Últimos 50 Anos — Algumas notas sobre o contexto histórico, as instituições e os homens que os conduziram
Bráulio de Almeida e Sousa
OPINIÃO
Algumas Considerações em Torno da Expressão «Ansidedade Social»
Bráulio de Almeida e Sousa, Luís Duarte Rolão Macedo
PANORAMA
Encontros dos Centros Distritais de Saúde Mental — Conclusões
Programa de Actividades do Centro de Saúde Mental de Setúbal para 1986
Jornadas sobre as Funções do Técnico de Serviço Social na Psiquiatria e Saúde Mental
— Conclusões
NOTÍCIAS
RECORDAR
....................................
EDITORIAL
Os Anais Portugueses de Saúde Mental, cujo primeiro número agora se publica, são o órgão oficial da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental, (S.P.E.S.M.) sendo a sua edição da responsabilidade da sua Direcção. Significa isto que terão uma linha editorial própria, necessariamente consentânea com os fins e objectivos da Sociedade, com as orientações emanadas da sua Assembleia Geral, com os compromissos programáticos dos seus Corpos Gerentes. Assim sendo, óbvio se torna que se explicitem as razões que levaram à fundação da S.P.E.S.M., se indiquem os seus objectivos e se informe dos vínculos e campos de experiência dos seus fundadores.
Podemos dizer que o projecto de criação da S.P.E.S.M. surgiu na sequência do 1." e 2." Encontro Nacional sobre o Ambulatório em Saúde Mental realizados em Setúbal nos anos de 1980 e 1984. Foi duma reflexão sobre o risco material de experiências que aí foram relatadas e confrontadas que os sócios fundadores se propuseram e conseguiram criar uma instituição de elaboração e transmissão de conhecimentos que pela sua natureza e perspectivas se irá, naturalmente, demarcar das instituições de saber psiquiátrico que entre nós existem; talvez assim se consiga criar uma relação de complementaridade útil entre a S.P.E.S.M. e elas.
Aconteceu pois que dessa elaboração reflexiva a algumas constatações e conclusões de valor heurístico se chegou. Efectivamente:
— Cerca de 80 % dos clientes das consultas psiquiátricas que actuam a nível intracomunitário consultam por reacções vivenciais e reacções neuróticas desencadeadas e mantidas por ocorrências e factos da sua qualidade de vida, tais como as condições económico-sociais de existência, a insegurança de emprego e rendimentos, as condições de stress relacionadas com as actividades profissionais, as frustrações e perspectivas sombrias de realização social e cultural, os conflitos intra-familiares resultantes do confronto entre diferentes modos de encarar as relações conjugais e as relações pais-filhos, etc., etc. Sabe-se também que a prevalência das situações de queixas e conversões somáticas de base psicológico-reactiva, nas consultas de clínica geral, vem sendo cada vez mais elevada. Também das contribuições epidemiológicas apresentadas nos referidos Encontros se constataram associações significativas entre as prevalências de epilepsias e quadros oligofrénicos profundos com as condições económico-sociais de existência e os cuidados de assistência materno-infantil. As incidências do alcoolismo e outras toxicodependências variam também, de modo significativo, não só entre os grupos etários como, muito particularmente, com as características socioecológicas das respectivas populações de referência. Também a prevalência das depressões ditas primárias varia de região para região, e, por vezes, de aldeia para aldeia, mesmo que topograficamente muito próximas, verificando-se associações significativas não só com a heredobiologia homóloga como, muito provavelmente, com a endogamia consaguínea associando-se esta, por sua vez, com a socioecologia rural minifundiária e isolada; no entanto, as frequências das crises nos mesmos indivíduos e as incidências de estruturações neuróticas secundárias às fases da doença depressiva primária já se mostram em associação com factores que têm a ver com as respectivas qualidades de vida, a favorável ou desfavorável dinâmica do relacionamento conjugal e familiar, os factores educacionais da estruturação da personalidade e carácter, etc. Relativamente às esquizofrenias, se as suas incidências de aparecimento parecem relativamente independentes das características socioecológicas das populações de origem, já o mesmo não acontece com o que respeita ao prognóstico clínico-psicopatológico, e, sobretudo, sociofamiliar, socioprofissional e sociocomunitário dos doentes, pois que a socioecologia do meio em que eles vivem, aparece como factor da maior relevância. Aliás a associação significativa entre a evolução das perturbações e doenças mentais e a qualidade sociofamiliar e socioecológica dos meios de existência é um dado relevante em todos os grupos da nosologia psiquiátrica.
— Também pareceu consensual que, actualmente, as mais elevadas taxas de ocupação de camas dos estabelecimentos psiquiátricos o são por razões sociais (sem possibilidade de habitação, de apoio humano e familiar, de rendimentosmínimos de existência, etc.) e de carência de serviços psiquiátricos intracomunitários eficientes e não por razões clinicoterapêuticas.
— Tornou-se também claro que é cada vez mais anacrónico (em termos científicos, técnicos e culturais) o conceito de que a promoção da Saúde Mental das comunidades, das regiões e do país, é assunto da exclusiva responsabilidade dos técnicos e tecnocraías da Psiquiatria e Saúde Mental por mais "equipistas" e interdisciplinares que eles se mostram. Cada vez se demonstra mais que essa promoção é uma resultante da política económica, social e educacional do Estado, da política de articulação funcional entre os diversos elementos das estruturas de Serviços de Saúde, da política de distribuição dos meios humanos e materiais de acção dos Serviços e, também, da articulação funcional entre as estruturas e serviços de Saúde e os de Segurança Social. Algumas experiências relatadas nos dois Encontros e outras que sabemos em desenvolvimento também aí estão para nos mostrarem e demonstrarem como a nível concelhio e comunitário se podem institucionalizar fecundas formas de articulação entre as equipas móveis de Psiquiatria, os Centros Concelhios (e suas extensões) de Cuidados de Saúde Primários, os órgãos autárquicos, os serviços de Saúde Ocupacional, as estruturas organizativas dos trabalhadores, CERCIs e outros, não só em ordem a desenvolver acções de prevenção primária, secundária e íerciária como em relação a programar e realizar planos de pesquisa epidemiológica e de formação técnica em Saúde Mental.
— Outro anacronismo a exigir reflexão é aquele que caracteriza a organização e funcionamento dos nossos Hospitais Psiquiátricos Centrais. Por essa organização, funcionamento e praxis profissional dos respectivos colectivos "terapêuticos" se verifica que os doentes são aí sujeitos a formas massificadas de medicação sintomática e sindromática com um total menosprezo pelos efeitos patogénicos desses campos institucionais que sendo dinamicamente inertes nem por isso são menos pesados em consequências negativas — negativas em termos de praxis terapêutica e, consequentemente em termos de degradação ética e tecnico-científica desses mesmos colectivos. E dizemos anacronismo porque a Psiquiatria que actualmente nestes estabelecimentos se pratica é uma Psiquiatria de teoria e praxis pré-Simonniana e totalmente ignorante e alheia às experiências e elaborações do movimento de Psicoterapia Institucional nos últimos 35 anos... mesmo que num ou outro se verifiquem isolados e "heróicos" esforços de reacção contra tal estado de coisas.
— Outra consideração que os fundadores da S.P.E.S.M. não puderam deixar de fazer e ter presente é a da deficiente e também anacrónica formação de post-graduação dos diferentes técnicos de Psiquiatria e Saúde Mental, por forçadas características organizacionais, funcionais e de nível tecnico-científico dos estabelecimentos psiquiátricos em que, por disposições legais, ela é exclusivamente feita. As instâncias responsáveis nem sequer conseguem (ou não querem) reconhecer que uma adequada formação de post-graduação em Psiquiatria e Saúde Mental exige que se faça, em parte não pouco significativa, nos serviços de real implantação e articulação comunitária... Se porventura o reconhecem, por aí se ficam...
Por estas reflexões e considerações se deduz que os fundadores da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental ao comprometerem-se na sua criação e projecto logo se comprometeram num vasto programa de questionamento teórico e realizações práticas. Realizações de intercâmbio científico e técnico; de execução de programas de pesquisa socioecológica nas suas relações com a Saúde Mental; de criação e aferição de instrumentos de observação e análise clínica e epidemiológica; de promoção de experiências interinstitucionalmente articuladas de acções de Saúde Mental a nível comunitário de modo a delas colher conhecimento teórico e prático; prosseguir no nosso país as experiências de Terapêutica e Psicoterapia Institucional não só dentro dos estabelecimentos de internamento psiquiátrico como nas acções ambulatórias intracomunitariamente articuladas. As actividades de formação científica e técnica julgadas pertinentes e que noutros quadros institucionais se julguem impossíveis, também não poderão deixar de ser consideradas e promovidas.
Assim se vê que os fundadores da S.P.E.S.M. se colocaram a si próprios em posição de desafio, desafio este de pesadas responsabilidades e implicações.
O futuro dirá do que será a vida desta Sociedade recém-fundada e que nestas perspectivas se colocou.
Uma coisa ainda se dirá nestas notas editoriais: se o próprio projecto de fundação da S.P.E.S.M. já é em si polémico também polémicos poderão ser alguns dos materiais publicados nos Anais; com isso outra coisa se não visa que o estimular da reflexão e criatividade científica entre aqueles que leal e corajosamente sejam capazes de se confrontarem.
A Direcção
(EM CONSTRUÇÃO)